Primeira crônica

24/10/2013 16:18

Crônica

Por: Paulo Pedroza

Era um dia comum, mais um daqueles dias de muito sol e calor em Juazeiro (BA). Acordei antes das seis, organizei a minha velha mochila, e logo em seguida conferi os principais itens que não poderiam faltar: câmera digital, gravador, caderno e a tradicional caneta Bic. Em breve nasceria mais uma reportagem.

Segui até o Hospital Regional da cidade (HRJ), disposto a contar a história de pacientes que moram em outros municípios, mas que necessitam buscar tratamento especializado em Juazeiro. No caminho, eu já ia me preparando para ouvir relatos nada animadores. Afinal, quando se trata de saúde pública, infelizmente, a realidade ainda assusta.

Ao chegar ao HRJ, fiquei a observar o ambiente enquanto esperava o momento propício para uma boa conversa. Eu andava de um lado para outro, sempre prestando atenção nos diálogos de pacientes e acompanhantes. Quando me dei conta, eu já estava envolvido com todas aquelas histórias.

Ali perto, em um pequeno banco de cimento, na área externa do hospital, estava o senhor Rosalvo Ferreira. Sozinho, ele não se dava conta da minha presença ao seu lado, olhava para algum lugar distante, como se procurasse um refúgio que o permitisse fugir um pouco daquela realidade. Havia certa melancolia no olhar. Aquele silêncio me incomodava, deixava-me inquieto, então procurei conhecê-lo.

Rosalvo me olhava desconfiado, mas, aos poucos, foi perdendo a timidez e passou a relatar acontecimentos da sua vida de agricultor e da labuta com a terra. Próximo dali, sua mulher, Maria Ferreira, aguardava sentada em uma cadeira de rodas. Ela parecia não gostar da nossa conversa. Interrompia, olhava insistentemente, até que não resistiu e disse em voz alta: “Venha logo, Rosalvo! ‘Tô’ falando com você ‘homi’, venha!”. Ele, paciente, atendeu ao chamado.

Curioso, aproximei-me da senhora visivelmente mal humorada, e pedi desculpas pelo incômodo. Ela me ignorava. Ouvi quando balbuciou umas poucas palavras: “Ajudar a gente, ninguém ajuda”. Mesmo assim, persisti no diálogo. Eu sentia que por trás da aparente rispidez de Dona Maria, havia uma mulher forte e de bom coração.

Maria Ferreira, com os olhos marejados de lágrimas, contou-me que pelo menos duas vezes na semana, acorda às 4h30 da manhã, e segue viagem de Pindobaçu (BA) para Juazeiro, onde passa por acompanhamento médico devido à recente amputação de um pé em decorrência da diabetes. Sempre acompanhada do marido Rosalvo, também diabético, ela aguarda mais de seis horas para ser atendida. Enquanto isso, come um pastel frito e toma um cafezinho na barraca de lanches ao lado.

Depois de ouvir essa, e tantas outras histórias, segui de volta para casa. Porém agora sentia a mochila um pouco mais pesada, pois eu não levava apenas uma câmera digital, um gravador, um caderno e uma caneta, mas também a impotência de não puder fazer algo por muitas daquelas pessoas.

 O tempo todo, a frase de Dona Maria ecoava na minha cabeça: “Ajudar a gente, ninguém ajuda”. Mesmo assim, quando eu ia saindo do hospital, ela esqueceu um pouco a dor, deixou o jeito carrancudo de lado, olhou para mim e acenou sorrindo. Era um sorriso sincero.

Parafraseando o grande cronista mineiro Fernando Sabino, assim eu queria minha primeira crônica: que fosse sincera e humilde como aquele sorriso. O sorriso de Dona Maria.