Quilômetros de esperança

Todos os dias milhares de pessoas saem de casa em busca de tratamento médico fora dos seus municípios. Em Juazeiro, o Hospital Regional recebe pacientes de diferentes cidades do interior baiano.

Por Paulo Pedroza

Hospital Regional de Juazeiro (BA)

Eles se deslocam dos mais variados destinos. Saem de casa ainda pela madrugada levando na bagagem algumas mudas de roupas, produtos de higiene pessoal, e a esperança de retornarem ao aconchego do lar com boas notícias. Esta é a rotina de muitas pessoas que buscam assistência médica fora dos seus municípios de origem, já que vários hospitais das pequenas cidades do interior não dispõem de atendimento especializado e infraestrutura adequada para casos cirúrgicos e de emergência.

A aposentada Maria Ferreira Dias, 68 anos, faz parte desse grupo. Pelo menos duas vezes por semana, acorda às 4h30 da manhã e segue viagem de Pindobaçu (BA), para o município de Juazeiro (BA), onde passa por avaliação médica no Hospital Regional da cidade (HRJ- Gestão IMIP) depois de ter amputado o pé em decorrência da diabetes.  “É um sofrimento. Tem dias que chego aqui por volta das 7h da manhã, e só sou atendida lá pra uma hora da tarde, quando volto pra casa já é noite”, reclama.

Maria Ferreira chega a esperar até seis horas para ser atendida

Para se deslocar até Juazeiro, Dona Maria Ferreira utiliza o transporte oferecido gratuitamente pela prefeitura da sua cidade, são 170 km de estrada. Ela vem acompanhada do marido Rosalvo Ferreira, 70, que a ajuda com a cadeira de rodas. “Eu também sou diabético. Mas não tem jeito, a gente espera tanto ser atendido que acaba comendo coisas que não devia”, diz o aposentado enquanto divide um pastel frito e um cafezinho com a mulher.

Ali perto, o senhor Diaquino Martim da Cruz, agricultor, 65 anos, aguarda junto com a cunhada a permissão para visitar a esposa Maria de Lourdes Sousa, 60, que se submeteu a uma cirurgia no dia anterior. Dona Maria estava internada há 22 dias em um hospital de Campo Alegre de Lourdes (BA) depois de ter furado o pé com um espinho enquanto trabalhava na roça. “Ela sofreu muito esses dias por lá, o pé dela ‘tava’ piorando. Os médicos encaminharam ela aqui pro Hospital Regional pra fazer uma cirurgia”, lembra o agricultor.

São mais de cinco horas de viagem percorrendo os 370 km de Campo Alegre de Lourdes até Juazeiro, o transporte também é oferecido pela prefeitura, mas a hospedagem ainda é um problema. “Eu não conheço nada por aqui. Vou procurar um lugar baratinho pra dormir, porque só minha cunhada pode ficar como acompanhante no hospital, eu tenho que me virar até minha mulher receber alta”, afirma.

A maioria dessas pessoas retorna para casa ainda no mesmo dia no transporte oferecido gratuitamente pelas prefeituras, pois os seus municípios não possuem Casas de Apoio em Juazeiro. Na cidade existe o albergue hospitalar Mansão Solidária, que acolhe os acompanhantes de pacientes atendidos na rede pública de saúde, e não cobra nada pelo serviço. A entidade não possui fins lucrativos e sobrevive de doações, mas devido à ausência de outros albergues desse tipo, sempre tem alguém à espera de uma vaga.

Segundo a assessora de imprensa do HRJ-IMIP, Anne Santana, o hospital disponibiliza o serviço de Assistência Social que caso necessário entra em contato com as redes de assistência do município ou casas de apoio filantrópicas e encaminha os pacientes para que recebam hospedagem. Anne lembra ainda que a demanda recebida pelo HRJ supera em muito a capacidade instalada, por isso a demora no atendimento, mas enfatiza que são feitos todos os esforços possíveis para garantir uma recepção digna e de qualidade para os pacientes.

 

Do outro lado da ponte, outras histórias

Por Luna Layse

Casa de Passagem, em Petrolina (PE)

Na Casa de Passagem Bom Samaritano, que está situada próximo à Praça das Algarobas, em Petrolina (PE), o senhor Vitalino Lima é um dos poucos que vieram à cidade em busca de tratamento médico. A assistente social Mônica Gouveia explica que o local abriga principalmente os trabalhadores e pessoas que ainda estão em busca de oportunidades. A casa, construída pela Diocese através de arrecadações, hoje é mantida através do apoio de colaboradores que realizam doação financeira. Segundo a assistente social, a prefeitura do município coopera na manutenção de alguns quartos, através do pagamento de contas de energia e água.

Durante o mês, cerca de trinta pessoas ficam hospedadas no local e cada um tem o limite de quinze dias para permanecer na casa. Aqueles que procuram algum tipo de tratamento médico costumam ficam pouco tempo. Mônica citou o caso de pessoas que realizam a cirurgia de catarata e logo retornam para os seus lares, estes não chegam nem a passar mais de uma noite na casa de passagem porque a operação não exige repouso absoluto.

A assistente explica que a falta de infraestrutura inviabiliza a permissão para abrigar doentes que precisam de cuidados mais especiais, não há banheiros adaptados e o pequeno quadro de funcionários não tem condições de acompanhar os hospedes em suas necessidades diárias. Por isso, os enfermos que ficam no local são apenas aqueles que se locomovem e podem cuidar de si próprios, como explicou Mônica. Quando mencionou o caso de seu Vitalino, que possui um grave problema na visão, ele estava ao lado dela e ao ouvir a assistente social contar sobre o seu quadro de saúde, seu Vitalino baixou a cabeça e pareceu enxugar a lágrima que quase deslizou em seu rosto. Aos 56 anos, o senhor magro de cabelos grisalhos revela que não tem a visão do olho direito e com o esquerdo consegue enxergar apenas 40% dos reflexos. Há dias ele busca uma consulta no setor público, mas ainda não havia conseguido vaga.

Vitalino Lima aguarda atendimento em Petrolina (PE)

Quando seu Vitalino saiu da sua cidade natal, São Francisco do Conde (BA), percorreu quase 450 km até o município mais próximo para dar início ao tratamento da visão. E, segundo ele, em Petrolina estão suspensas as consultas dos oftalmologistas através do Sistema Único de Saúde (SUS). Em nota, a assessoria da Secretaria Municipal de Saúde informou que devido à realização do mutirão de catarata, o número de atendimentos foi reduzido e estão sendo priorizadas as cirurgias e casos de mais urgência. Mas, que em breve a quantidade de atendimentos nas unidades de saúde será regularizada.  

A única vez que seu Vitalino conseguiu ir ao oftalmologista desde que chegou ao município foi através da ajuda financeira de funcionários da casa de passagem que contribuíram para que ele fosse a um consultório particular. Vitalino foi orientado pelo médico a fazer exames que não tem condições de pagar. E até o encerramento desta reportagem, ele ainda aguardava uma vaga através do sistema público de saúde em Petrolina.

 

           

 

 

 

 

ALZHEIMER: UMA CORRIDA CONTRA O TEMPO

 

Por: Luna Layse e Paulo Pedroza

Petrolina (PE), 13h, sol escaldante lá fora. Na Avenida Honorato Viana o vai e vem dos carros mostram que o tempo não parou, é mais um dia comum no Sertão do São Francisco. No mesmo horário, na recepção do Hospital Geral e Urgências (HGU), três mulheres estão sentadas aguardando a chegada do táxi, duas delas conversam muito, a outra, uma senhora idosa, permanece calada, alheia àquele diálogo e ao que acontece depois da porta de vidro com o nome escrito em vermelho, “saída”. Esta senhora é Dona Lourdes, 80 anos, doente de Alzheimer, que aguarda junto com a filha Maria Tereza o horário de ir para casa após uma reunião com um grupo de apoio a familiares de pessoas com a doença.

Segundo o médico geriatra Érico Wanderley, Dona Lourdes está entre o grupo de idosos com mais de 65 anos que pode apresentar demência, estado caracterizado por déficit de memória, problemas de comportamento e incapacidade de julgar situações. Entre os vários tipos de demência, estima-se que de 50% a 60% dos casos sejam do tipo Alzheimer, mas é preciso várias avaliações para confirmar o diagnóstico. “O geriatra não é o único profissional que vai avaliar esse idoso, ele necessita de uma equipe multidisciplinar. É necessário que os profissionais se comuniquem e cheguem a um diagnóstico provável feito através da exclusão de outras doenças”, disse Wanderley.

Maria Tereza, filha de Dona Lourdes, lembra que cuidar do doente de Alzheimer é muito difícil, por isso considera importante a troca de experiências com outras pessoas que passam pela mesma situação. Ela participa mensalmente das reuniões promovidas pela Associação Brasileira de Alzheimer, sub-regional Petrolina (ABRAz-Petrolina), que forma um grupo de apoio com familiares e cuidadores de pessoas com a doença.

Durante essas reuniões, além de compartilhar experiências, eles recebem orientação profissional, ajudando a melhorar a qualidade de vida não só do doente, mas de todos os envolvidos no tratamento. “Foi através das reuniões que passei a entender melhor como cuidar da minha mãe. Orientações a respeito dos remédios, da disposição dos móveis na casa, alimentação, e banho facilitaram muito meu trabalho, sem esquecer de muito carinho que é essencial”, ressalta Maria Tereza.  Esses encontros do Grupo de Apoio da ABRAz-Petrolina acontecem no último sábado de cada mês no Centro de Prevenção e Recuperação – HGU Saúde (R. Dr. Geraldo Estrela, 100 – Centro)  e são gratuitos.

Cuidados com os doentes de Alzheimer

Para Dr. Érico Wanderley a informação ainda é o melhor caminho quando o assunto é Alzheimer, pois quanto mais informações as pessoas tiverem, maiores serão as chances de um diagnóstico precoce que ajuda a amenizar o avanço dos sintomas.

Campanha ABRAz

Cartaz da Campanha ABRAz

A coordenadora da ABRAz-Petrolina e terapeuta ocupacional Denise Cavalcanti lembra que a falta de conhecimento pode provocar situações inesperadas e constrangedoras. “Certa vez uma mulher relatou que foi ao supermercado com a mãe que tem Alzheimer e deixou ela sentada enquanto foi fazer as compras. Pouco tempo depois a mãe disse para as pessoas que estavam ao redor que aquela não era a sua filha. Foi necessário o envolvimento dos seguranças do local até que ela conseguisse provar que a senhora era realmente a sua mãe”.  A terapeuta acredita que o desgaste provocado por esta situação poderia ser evitado se a filha tivesse informações suficientes para saber que não deveria ter deixado a mãe sozinha enquanto fazia compras, pois o doente de Alzheimer pode inesperadamente mudar de comportamento. “A informação é a melhor coisa que podemos oferecer às pessoas que cuidam dos doentes com Alzheimer”, ressalta Denise Cavalcanti.

A falta de conhecimento e as instruções equivocadas levam muitos familiares a procurar instituições como a ABRAz, onde a equipe de profissionais auxilia dando orientações aos chamados “cuidadores”, função que pode ser desempenhada por um familiar, ou uma pessoa contratada. O cuidador ajuda em todas as atividades do doente, desde o banho à alimentação, por isso o ofício exige bastante atenção e carinho. “O cuidador é uma pessoa que se doa, aquele que sabe se colocar no lugar do outro tendo respeito e amor pelo que faz. É impossível imaginar a vida do paciente sem o cuidador”, ressalta Juliana Pedrosa, coordenadora da Residência em Enfermagem no Hospital de Urgências e Traumas, da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf).

A doença de Alzheimer afeta o comportamento, a linguagem, o raciocínio, a capacidade de julgamento e as habilidades motoras do idoso, comprometendo as funções neurológicas de forma progressiva. “Por ser uma doença degenerativa e não apresentar cura, o Alzheimer ainda assusta os familiares, mas é preciso muita paciência e dedicação por parte de todos”, afirma Juliana Pedrosa.

Profissionais como o terapeuta ocupacional podem intervir no dia-a-dia dos pacientes, “de acordo com a situação do doente, ele facilitará a organização e o planejamento de novas atividades de modo a estimular as funções preservadas e desenvolver mecanismos compensatórios para a função alterada, atuando tanto numa abordagem preventiva quanto reabilitadora”, esclarece Denise Cavalcanti.

O termo multidisciplinar não foi utilizado por acaso quando o médico geriatra Érico Warderley falou sobre a equipe de profissionais necessária para cuidar do doente de Alzheimer. O tratamento exige a atuação conjunta de médicos, enfermeiros, terapeutas, nutricionistas, fonoaudiólogos, dentre outros que se dediquem ao paciente. E às vezes até mesmo a família necessita de um apoio profissional para aprender a lidar melhor com o doente, pois essa dedicação diária exige esforço físico e emocional, afinal não deve ser fácil para uma filha não ser reconhecida pela própria mãe.

Fotos: Reprodução da internet